terça-feira, setembro 22, 2009

Vida

Soube há pouco mais de uma hora que um colega meu de Erasmus, do período em que estive na Dinamarca, faleceu. Não sei foi hoje, ontem ou há um par de dias, mas a verdade é que isso também pouco interessa. Eu não era muito próximo do Franz, mas ainda assim se o visse em qualquer lugar do mundo atravessaria a estrada para lhe dar um abraço. E por isso foi com tristeza que recebi esta notícia.

Recebi a notícia por e-mail pouco antes de sair de Braga, aonde fui jantar. Enquanto conduzia vinha a pensar no assunto, a mastigar a notícia, a analisá-la e a tentar pensar no que pensar sobre isto. Acabei por me ver a mastigar um monte de chavões e coisas mais-ou-menos óbvias sobre o ser humano e a morte...

Que a vida não é justa, que a vida é curta demais, que é preciso aproveitar enquanto cá estamos, que o Franz era novo demais, que pode acontecer a qualquer um...

De facto não é novidade para ninguém que para morrer só há uma condição sine qua non... estar vivo. Ainda assim não posso de deixar de me sentir triste por este acontecimento específico. Acho que toda a gente também já sabe que mesmo tendo por certa a inevitabilidade da morte não a podemos deixar de sentir como algo que nos faz sofrer.

No meio de todos os pensamentos houve um conjunto deles nos quais me detive por mais tempo. O ser humano é um ser egocêntrico, será assim a sua natureza? Será isto fruto da racionalidade ou uma medida de sobrevivência? Passo a explicar...

Todos os dias lemos nos jornais notícias de diferentes mortes em diferentes pontos do globo, quando nos deparamos com isso lamentamos... e - não sei se acontece com todos e caso não aconteça, faço aqui o mea culpa - com o desenrolar dos dias, dos anos e das próprias notícias, vamos habituando-nos a lê-las e a lamentar quase mecânicamente. Quando sabemos da morte de alguém próximo de alguém que nos é próximo, já lamentamos com mais sentimento e (se calhar por, felizmente, não ser tão comum como as dos jornais) quase sempre com sentimento. E quando alguém próximo de nós morre lamentamos mais profundamente e sofremos com a perda. Será que sou eu que sou egocêntrico ou somos de facto todos mais-ou-menos assim. Quero acreditar que isto é relativamente óbvio e que eu não sou uma aberração. Mas daqui quero partir para o que realmente me incomoda nisto.

Parece-me relativamente aceitável que existam estes, ou outros, graus de sofrimento associados à morte. Seria por certo incomportável se todas as infelizes mortes que nos trazem as notícias, fossem lamentadas por todos nós com a mesma dor e sofrimento da morte de alguém que nos é próximo. A morte é uma inevitabilidade e de outro modo o mundo seria um lugar (ainda) mais negro. Fico curioso se o mesmo se passará com os animais irracionais, ou se isto é fruto da nossa racionalidade. Mas se for fruto da racionalidade quase que me apetece pô-la em causa. Porque depois disto, me ponho a pensar como é que as pessoas se podem tratar tão mal no dia-a-dia, como é que é possível que as pessoas não se respeitem mais. Sabendo nós da inevitabilidade da morte e do sofrimento que nos atinge quando alguém que nos é próximo falece, não conseguimos perceber o que outros poderão sofrer quando falece alguém que lhes é próximo e por aí adiante? Não poderíamos todos ter isso em conta no dia-a-dia e perceber que se a morte é de facto inevitável e que, ao que tudo indica, só se vive uma vez não deveríamos todos aproveitar para viver esta vez o melhor possível? What goes around comes around! Ou seja, já basta a morte para nos dar tristezas, não deveríamos aproveitar para viver a vida a sorrir e na galhofa. Felizes e contentes. Claro que podem argumentar que assim a vida seria um tédio, mas eu contra-argumento que dias de chuva, vento, trovoada ou calor abrasador são mais que suficientes para fazer variações de humor que tragam animação ao dia-a-dia.

Se calhar isto é simplesmente parvo e utópico. Eu sei que ninguém é perfeito e, como tal, o mundo também nunca poderá ser perfeito. Mas gostava de ver as pessoas a abraçar a ideia de que a nossa felicidade depende dos outros e que a felicidade dos outros contribui para a nossa. E já que temos que aturar a morte de vez em quando ao menos que consigamos viver felizes no entretanto e que façamos a vida feliz a quem nos rodeia, pois nunca saberemos à porta de quem ela irá bater. (*3 pancadas na madeira*).

Espero que isto se entenda e tenho dito.

Descansa em paz Franz. =(

4 comentários:

Ângela disse...

Gostei do teu texto. :)
Acho que toda a gente, mais cedo ou mais tarde, chega a essas conclusões. Eu própria já pensei sobre isso várias vezes... e é um bocado desconfortável pensar na morte...

aldasilva disse...

Sei perfeitamente o que é essa sensação de que a morte passa pelos nossos olhos todos os dias e de que vai ficando banal. Mas sempre que é alguém de quem somos próximos ou que conhecemos em alguma altura, a sensação é diferente, acho que até chegamos a sentir impotentes, para além da tristeza que se instala.

Acho que, sobretudo, nos torna humanos o facto de nos debruçarmos sobre isso com o coração. *

Felipe Costa disse...

A indiferença é uma consequência natural da evolução da massificação das sociedades, gerando uma visão individualista e egocêntrica da vida.

Enquanto sociedades matriarcas e tribos valorizam cada elemento da sociedade e vivem em função da mesma. Resta-nos encontrar esse valor maior em acções que fazem-nos sentir mais elevados. Amor, Amigos, Trabalho, Ajuda Humanitária, etc.

Algo que valorize a nossa passagem por cá.

Meus sentimentos pelo teu amigo.

rodas disse...

Nunca passei por isto que acabas de descrever. Deve ser sempre um choque enorme. Mas acho que tu chegas a uma boa conclusão - alegria, felicidade, viver as coisas com sentido.

Por mais que nos custe, é inevitável morrer. Admito que sou como tu - acho que todos somos - mecânicos em relação a algumas perdas.

Excelente texto, amigo. Gosto muito de ti. Força!